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segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

''Foi quando aconteceu, por simples acaso, o inesperado: sobrou papel crepom, e muito.'' C.L

A frase retirado do livro ''felicidade clandestina'' de Clarice Lispector faz parte dos textos mais bonitos e semelhantes a mim que já li na vida. ''Restos do carnaval'' conta uma história que não vou contar agora. Mas posso tentar: uma menina de oito anos se veste subjetivamente de rosa com os restos de papel crepom da fantasia de carnaval de uma amiga. Esse péssimo resumo não explica em nada o mini-texto mas explicita o que eu quero dizer. E eu quero dizer que a minha vida inteira fora assim, pausadamente, mais longe que perto. A espera contínua e triste das sobras. Não estou bancando a coitada. Nem dizendo que acredito em fadas ou histórias de princesas. Nunca esperei minha carruagem mas desconfiava da beleza da varinha mágica. E, claro, sempre precisei que alguma magia pudesse acontecer. Às vezes até acontecia mas como rotina. Mais ou menos assim: minha tia mais rica trazia roupas iguais a da filha dela para mim. A pouca diferença de idade e a grande semelhança física nos tornavam irmãs quase gêmeas. Então, as roupas idênticas deixava minha tia pensar que eu parecia com a filha dela enquanto eu me sentia mais perto de ser feliz dentro de um figurino novo. Já na escola, havia dentro de mim uma tristeza profunda. Não que eu queira possibilitar algum desprezo ou rejeição familiar. Mas as fotos daquela época mostram um rosto magro com olheiras fundas devido ao cabelo escorrido na cara. Como se eu tivesse chorado o dia inteiro antes da tão esperada busca para casa na escolinha. Depois mais tarde, vieram as amigas, duas irmãs sempre companheiras. E a palavra companhia me causava frisson. Nunca tive companheira para chamar de irmã durante a infância. Até que uma dessas irmãs, exatamente a mais velha, teve que ir para o colégio deixando eu preencher o vazio da minha solidão na casa da árvore com a sua irmã mais nova. Esse tempo foi o que hoje eu posso chamar de minha infância. Mas não foi aí que encontrei o meu pedaço bom de papel crepom. Muitas coisas vieram, coisas que nem consigo me lembrar. O diferente foi que quando li essa frase me surpreendi com o barulho que ela fez. Foi como se meu dedo tivesse puxado a primeira corda do violão: dom!! Algum pensamento de mágoa por gostar do que era resto me fez acreditar em mim. Em algum momento eu fui feliz sendo a segunda opção. Sendo a menina de oito anos que ficava feliz com o que sobrou do papel crepom da fantasia da amiga. Porque sabia que, para ela, aquilo era muito. Sem muitas explicações mas com muita indagação a gente vai se descobrindo dentro das nossas fantasias e máscaras de carnaval. Entendemos que ser a segunda opção pode acontecer como um espelho, apenas. O que me parece pouco hoje era muito - e rosa - antes, durante a minha infância.





Para quem quiser ler o texto ''restos do carnaval'' da Clarice é só clicar aqui: http://lugardaspalavras.no.sapo.pt/prosa/clispector/carnaval.htm


Um comentário:

Luana Henriques disse...

Mas vc brilha sempre por si só! Talvez brilhe mais do que a "primeira opção" !!! Como eu já disse (não só porque é minha amiga) ela é um fenômeno da natureza! Amo vc Helenote!